5 ideias para (re)pensar o cancelamento

Suzana Valença
3 min readFeb 18, 2021

Aprendi que a ideia de “cancelamento” tem duas vertentes. Talvez a mais conhecida seja aquela que vemos o tempo todo no Twitter. Uma celebridade fala alguma bobagem ou descobre-se um post antigo e problemático dela. Aí, vem a reação do público. Repúdio, decepção, raiva, cancelamento.

A outra “versão” desse processo é menos orgânico. É aquela tendência de demonizar movimentos sociais e ecológicos acusando essas iniciativas de quererem cancelar todo mundo. A frase típica é “não dá para falar mais nada hoje em dia”.

Eu acho que dá para avaliar a cultura do cancelamento sem invalidar os progressos que estamos conquistando. Para convidar você a entrar nessa conversa do bem, separei 5 ideias que achei interessantes sobre como repensar nossa vontade de cancelar os outros:

1 — Que tal cancelar ideias e não pessoas?

Eu acredito em cancelamento. Algumas “ideias” já deveriam ter sido apagadas totalmente há muito tempo. Movimentos civis lutam historicamente contra o racismo, o machismo, a homofobia, a transfobia, o capacitismo. Fizemos progressos, mas ainda temos muito chão pela frente. Temos que reclamar de famosos ou empresas que manifestem qualquer um dos pensamentos acima. É preciso dar a chance do sujeito se explicar e se desculpar. É preciso dar espaço para a pessoa se afastar da ideia. O problema é que alguns não querem fazer isso. Se agarram no racismo / machismo / homofobia de um jeito que não dá para cancelar um sem levar o outro junto. Aí, paciência.

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2 — Antes de cancelar, chame junto

Loretta Ross é uma pesquisadora americana com quatro décadas de trabalho em direitos civis e feminismo voltado para a população negra. Para ela, as pessoas não deveriam ser envergonhadas publicamente por acidentalmente interpretar mal um colega de classe (o que ela fez uma vez), por enviar um tweet idiota do qual agora se arrependem, ou por admitir que gostavam de algum produto da cultura pop antigo que hoje é visto como problemático. Ross sugere uma outra abordagem. Em vez de criticar, chame junto. Converse sem expor a pessoa. Explique a questão por mensagem privada, ligue para ela, discuta o assunto.

3 — Reflita antes de condenar

O site Quebrando o Tabu propôs algumas perguntas para nos ajudar a refletir antes de cancelar. Estou dando às pessoas o benefício da dúvida? Sou tolerante com as pessoas como sou comigo quando eu cometo um erro? E assim por diante. Voltamos às questões acima, não é? Precisamos tentar perceber quando a atitude errada vem de lapso normal e humano ou quando ele é uma tentativa de minimizar avanços sociais. E precisamos entender se é possível e válido dar oportunidade para que o erro seja corrigido.

4 — Perceba quando o cancelamento é necessário

Vamos ver o outro lado? O cientista político Miguel Lago defendeu o cancelamento em um artigo na Revista Piauí. Um certo tipo de cancelamento, diga-se. Ele lembra que a história está sendo feita a cada segundo e que ideias e conceitos estão sempre sendo revistos. Nesse processo, “o debate público passou a incluir identidades estruturalmente excluídas. Agora, negras, negros, mulheres, gays e trans encontraram — nos blogs, revistas eletrônicas, páginas do Facebook — um espaço para articular valores e situaçoes diante de uma audiencia à qual não tinham acesso”, escreveu ele.

Essa inclusão desagradou alguns. O termo “cultura do cancelamento” começou a ser usado como sinônimo de revisionismo histórico. Lago dá o exemplo de uma estátua de Cristóvão Colombo levada ao chão nos Estados Unidos. “Cancelar” Colombo é apagar a história? “Nao se trata de revisionismo histórico ou de julgamento moral de figuras do passado, mas sim de mitos sobre os quais poderes fáticos do presente justificam seu exercício de poder”, ele explica. “A derrubada de estátuas é saudável e um símbolo de sociedades democráticas”

Originally published at http://www.suzanavalenca.com on February 18, 2021.

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